GORDURAS
Doenças cardiovasculares são a maior causa de mortes no Brasil e no mundo. AQUI você pode pular para um guia rápido de como equilibrar suas fontes de gordura e minimizar ao máximo o risco.
Certa vez, uma mulher fumante (buscando mudar de vida), com 58 anos, me pediu opiniões sobre a sua alimentação. Haviam recomendado, no meio "paleolítico", que ela ingerisse altas quantidades de gordura saturada, na forma de derivados de leite como queijos, creme, nata, manteiga e não precisasse ter qualquer tipo de moderação com gordura de carne vermelha, que é parcialmente saturada. O argumento era "você precisa se entupir de gordura saturada para ter saciedade".
O colesterol que ingerimos tem um efeito praticamente nulo no colesterol do nosso sangue - isso é amplamente aceito, e os órgãos de saúde mundial atualmente estão abandonando em suas recomendações os limites máximos de colesterol alimentar ingerido - jamais o do sangue. O principal fator alimentar para o colesterol sanguíneo é a gordura saturada ingerida.
Utilizando a Calculadora de Framingham, podemos ver o risco daquela mulher ter um evento cardíaco nos próximos 10 anos, em diferentes faixas de colesterol total, em mg/dL:
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22% - 280+
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14% - 240-279
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8% - 200-239
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4% - 160-199
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2% - <160
O colesterol total, por si só, aumenta em 10 vezes o risco. Adicionalmente, cada ponto a mais na pressão sistólica acrescenta de 4 a 7% no risco, se o colesterol estiver alto. O consumo de sal é o principal fator nessa questão. Quanto maior o HDL, menor o risco. Mas em hipótese alguma um alto HDL é capaz de compensar o risco de um colesterol total alto. Em pessoas de meia idade, não fumantes, o risco pode ir de menos 1% para 3% ou mais. Pode passar de 6% com um alto consumo de sal e alta pressão. Maior do que a mulher fumante de 58 anos com um colesterol adequado!
Tal mulher, muito ansiosa para emagrecer, seguiu tais recomendações perigosas e inconsequentes por uma semana, até ter encontrado alguns materiais deste site, e ter visto o tamanho do seu erro. Quanto a saciedade, ela conseguiu resultados muito melhores eliminando totalmente os derivados de leite, e seguindo este guia. É extremamente recompensador ajudar alguém dessa forma.
Atualmente, todos os órgãos de saúde em escala global, comunidades científicas e autoridades no assunto recomendam restrição na gordura saturada. Para citar os mais relevantes:
Prof. Dr. Loren Cordain - Pesquisador de maior relevância para a Dieta Paleolítica
Ministério da Saúde do Brasil
World Health Organization
The American Dietetic Association
The Dietitians of Canada
The British Dietetic Association
American Heart Association
The British Heart Foundation
The World Heart Federation
The British National Health Service
The United States Food and Drug Administration
The European Food Safety Authority
Porém, houve uma onda de desinformação nos últimos anos, causada por estudos com conclusões altamente mal formuladas. São três revisões sistemáticas, de 2010, 2014 e 2015. Você pode entender os problemas aqui: 1 - 2 - 3 - 4 (em inglês).
De forma altamente resumida: Tais estudos concluíram que não existe razão para limitar a gordura saturada. A metodologia? Comparar gordura saturada com açúcar, margarinas do pior tipo e gorduras trans, e não com azeite ou castanhas. Foram considerados altamente desinformadores e perigosos para a saúde, 2 deles já tiveram sua conclusão revista e não suportam mais a recomendação de não limitar gordura saturada. Apenas o de 2015, mais focado em saturada vs. trans, ainda não foi alterado - mas já está em vias de ser. Atualmente ele reconhece "limitações na metodologia".
Infelizmente a mídia adorou a polêmica, fez questão de divulgar enormes manchetes, fazendo um estrago imenso na saúde das pessoas e fomentando defensores de Atkins que estavam hibernando. Quando os estudos foram alterados, a atenção foi nula. Até hoje os defensores de Atkins (muitas vezes disfarçados) citam os estudos de 2010 e 2014, sem se atentar que eles já os abandonaram.
Olhando para a ciência nos últimos 20 anos, encontraremos 14 revisões sistemáticas de relevância para a questão (incluindo as 3 revisões controversas já citadas). 11 estudos foram bastante claros: Trocar gordura saturada por insaturada reduz, e muito, o risco cardiovascular. Dos outros 3 (as tais revisões), 2 já foram alterados, restando 13 estudos contrários, e apenas 1 a favor (e você se impressionou com o jogo do Brasil e Alemanha!). Caso o estudo de 2015 mude, e deve mudar, serão 14 x 0.
Não existe qualquer controvérsia, qualquer discussão, a ciência é mais do que unânime: gordura saturada em excesso eleva o colesterol, que é uma das principais causas de placas nas artérias. Não é um fator associado, não é um fator de risco, ou qualquer outro nome amenizador. É uma causa. O LDL penetra nas artérias e cria placas de gordura, quanto mais LDL, maior a taxa de penetração.
Livros como o "The Big Fat Surprise", da jornalista Nina Teicholz, propõe que existe uma grande teoria conspiratória do governo e ciência contra a gordura saturada, nada plausível de ser levado a sério. Em alguns anos, esse tipo de desinformação certamente irá ceifar muitas vidas dentre aqueles que foram ingênuos o bastante.
Um ótimo guia para identificar teorias conspiratórias (muitas vezes bem embasadas em meias-verdades) ou criar a sua, em apenas 6 passos, a partir de 10m22s no vídeo abaixo:
Ok, então eu devo excluir totalmente a gordura saturada da alimentação?
Vejamos o que dizem grupos de cientistas mais proeminentes na questão:
Na Dieta Paleolítica é recomendado um consumo de 30 a 35% das Calorias diárias em gordura, sendo, 70% dessa gordura na forma insaturada, e apenas 30% saturada. Tais taxas são observadas na maior parte da evidência que possuímos sobre a alimentação natural humana, destacadamente nos seres humanos da África e Eurásia, que são a base genética para todos os outros. É observado que na natureza o colesterol fica entre 106 e 141 mg/dL, sendo 125 mg/dL a média. Curiosamente, tal taxa também é observada na maioria dos primatas e mamíferos.
Nas diretrizes mundiais é recomendado que 30% das Calorias diárias venham de gordura, sendo 33% na forma saturada para pessoas saudáveis, e 23% para pessoas com histórico de problemas cardíacos. Em geral, é recomendado que o colesterol total fique abaixo de 200 mg/dL em algumas diretrizes, e abaixo de 160 mg/dL em outras.
Acredito que temos um acordo. A gordura saturada tem sua importância, destacadamente em questões hormonais, mas o ideal não é tentar corta-la totalmente (algo impossível, será explicado em breve), e sim mante-la em equilíbrio com a gordura insaturada, que deve ser, de longe, a parte majoritária. Dietas que reduzem toda a gordura são péssimas em relação a dietas com boa quantidade de gordura saudável, insaturada. Acredito que você deva ter uma questão pertinente, que precisa ser respondida antes de continuarmos:
Na natureza, a quase totalidade da gordura era obtida de fontes animais. Carne não tem muita gordura saturada? Como é possível que nossos ancestrais possuíram uma taxa tão alta de gordura insaturada na alimentação?
Músculos de carne vermelha (alcatra, patinho, picanha) possuem aproximadamente metade da sua gordura na forma saturada. Os animais caçados pelos nossos ancestrais possuíam músculos muito magros, e a gordura estava nos órgãos, carcaça e medula óssea (tutano), sendo 70% insaturada e 30% saturada. E eles não podiam se dar ao luxo de escolher apenas os músculos mais macios e suculentos: aproveitavam tudo o que era possível do animal.
Então como conseguir, na prática, a taxa ideal de gordura 70% insaturada para 30% saturada?
É incrivelmente simples, basta conhecer e balancear os alimentos naturais:
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Carne Vermelha possui cerca de 50% de cada tipo de gordura. Preferir carnes magras é interessante. Devido ao alto conteúdo de ferro da carne vermelha - equiparado apenas a alguns frutos do mar exóticos - uma dieta que busque o máximo de saúde deve inclui-la em moderação.
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Ovos, Carne Suína e Banha de Porco possuem cerca de 60% insaturada, razão pela qual a banha tende a ficar líquida em temperatura ambiente. Essa taxa a torna elegível para o uso eventual em frituras, e ovos podem ser consumidos, mas não devem ser a base da alimentação. O conteúdo em colesterol dos ovos não é preocupante, como explicado anteriormente.
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Aves e Peixes são a melhor opção, 75% insaturada. O colesterol que apresentam, destacadamente na pele, não representa problema. Infelizmente por essa confusão houveram receios em relação a esses dois incríveis alimentos, assim como aos ovos. A gordura de ambos é totalmente líquida em temperatura ambiente.
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Azeite e Abacate são as maiores fontes de gordura saudável conhecidas: 90% insaturada. Obviamente nossos ancestrais não consumiam tais gorduras em alta quantidade, mas, dentro do que temos hoje, elas são o que relembra com mais fidelidade a gordura insaturada dos animais caçados. Podem ser muito úteis para equilibrar a proporção total, e permitir um consumo consciente de carnes vermelhas.
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O Coco (e derivados como óleo e farinha) é uma exceção. É a fonte mais alta de gordura saturada que existe, cerca de 90% saturada. É natural, paleolítico e tem alguns benefícios, mas eleva o LDL, e seu uso deve respeitar a proporção total como o restante das gorduras. O seu uso se encaixa bem em uma dieta rica em peixes e aves - e não como a maioria das pessoas faz. Curiosamente os cocos eram consumidos na natureza por povos litorâneos, com dietas ricas em peixes marinhos.
Como eu faço: a maior parte da minha alimentação é frango e um pouco de peixe, e utilizo muito azeite, atingindo taxas de 85% de gordura insaturada, e minha gordura total fica em 25-30% das Calorias. Então me permito comer, moderadamente, carnes como cupim, picanha ou costelinha de porco. Preparo sempre em uma AirFryer, para remover o excesso de gordura.
É imprescindível realizar exames e ver os resultados dessas escolhas, principalmente se estiver em low-carb, com a ingestão de gorduras maior que o padrão. Algumas pessoas podem ser mais tolerantes, outras podem precisar de restrições mais severas. Existe uma rara doença, a dislipidemia genética, que altera os níveis de colesterol mesmo com as gorduras saudáveis - pessoas portadoras devem ter acompanhamento médico de qualidade.
Como fazer boas escolhas?
Excluindo-se o coco, já explicado, a maior fonte de gordura nociva são o leite e laticínios, que podem chegar a ser 70% saturadas - totalmente na contra-mão do ideal, além dos vários outros problemas nutricionais que esse grupo de alimentos apresenta.
Alguns óleos vegetais insaturados de grãos e sementes reduzem o risco cardiovascular, mas tem um desbalanço severo na taxa de ômega 6 para ômega 3, que impede que a redução seja ainda maior. Uma exceção é o óleo de canola (ou óleo canola - de acordo com alguns), rico em ômega 3 e com resultados expressivos na redução do colesterol LDL. É derivado de uma planta da mesma família do repolho e brócolis - é de se esperar uma certa compatibilidade com humanos. Já foi recomendado na Dieta Paleolítica, mas o seu alto conteúdo de ácido erúcico, monoinsaturado, que foi descoberto ser tóxico em animais, fez essa recomendação se alterar. O óleo de linhaça aparentemente é saudável, mas passa pelo mesmo processo de revisão do óleo canola, não sendo considerado totalmente seguro.
O fato dos óleos serem extraídos a quente e com o uso de solventes de hexano, embora possa assustar quem assiste ao processo, não muda de forma significativa a qualidade do produto final. Quando falamos "evite óleos processados", é uma simplificação para ajudar a fazer boas escolhas - a maior parte do azeite no mercado é tão processado quando o óleo de soja ou canola. A variável não processada ou aquecida é o extra virgem confiável. Procurando bem, é possível encontrar preços próximos de 20 reais por litro, em embalagens econômicas. Geralmente fica 15 reais cada 500 ml. Embora raro, também existe óleo de canola extraído a frio - mas mantém o seu conteúdo potencialmente tóxico de ácido graxo erúcico.
Se puder, prefira óleos prensados a frio e sem uso de solventes. Entre os óleos mais saudáveis estão: Azeite de oliva, e os mais exóticos óleos de castanhas ou abacate. A banha de porco pode ser usada eventualmente onde não for possível utilizar os outros - mas não deve ser um alimento regular em uma dieta baixa em aves e peixes.
Essa última questão ficará por sua conta: O azeite de oliva extra virgem pode ou não ser aquecido? Você pode encontrar informações conflitantes, não se limite a uma fonte só, existe uma resposta muito bem definida. Será um bom exercício de curiosidade e ceticismo.
Boa pesquisa!
Cordialmente, Vinícius Custodio.